
Em pé: Professor, Não Interessa, Zé-Ninguém, ENGANILSON-SON-SON, Fulaninho, Alguém, Qualquer Um, Não Lembro o Nome e Sei Lá.
Agachados: Zé-Mané, Beltrano, Sicrano, Um Carinha Ali e Coiso.
Com certeza a emoção do primeiro gol foi inesquecível. Passei algumas noites sem dormir e pensei: eu sou o Enganilson, o rei da área, centroavante matador. Se o rei do futebol e o baixinho fizeram 1000 gols, porque o craque aqui não poderia fazer também?
Eu sabia que conseguiria fazer gol de tudo quanto é jeito. De pé direito, de pé esquerdo, de cabeça, de peixinho, de calcanhar, de letra, de barriga, de bunda e até de mão. O importante é ver a bola no fundo das redes. Seria fácil chegar até essa meta.
Ambicioso que sou, decidi anotar todos os meus gols em um caderninho. Pô, vai que eu chego ao milésimo gol e aparece um monte de jornalista contestando. Com esses caras não dá pra brincar, né?
Lembro como se fosse hoje: jogo fora de casa, campo molhado, a zagueirada gringa baixando o sarrafo, mas eu não me intimidava e ia pra cima deles.
Até que teve um escanteio e fui pra área esperar a cobrança. Antes do juiz apitar eu me movimentei e deixei meu marcador pra trás. A bola veio, subi sozinho e testei pro gol. O som da bola batendo no barbante e a torcida gritando foi música pros meus ouvidos.
Mal acabei de comemorar e fui substituído. No caminho do vestiário a galera me aplaudia e no placar tava lá: 1X0 pro time da casa, gol do Enganilson.
O gol foi contra, mas foi meu.
Depois de tanta notoriedade na Rússia, graças a Deus meu empresário conseguiu uma transferência milionária para mim. Um contrato que me ajudou a fazer um pé de meia e cuidar de toda a minha família.
O inglês nunca foi o meu forte, mas para o Enganilson aqui, não tem bola perdida. Aproveitei a oportunidade, arrumei as malas e peguei a estrada. Sabe como é, né, não existe lugar melhor que a terra da rainha para o rei da área estabelecer suas raízes.
Futebol inglês, jogo pegado, zagueiros violentos. Não que eu tenha medo de cara feia, mas a coisa não foi tão simples como eu imaginava. Mesmo assim eu batalhei firme, treinei duro e acabei cavando a minha vaguinha no time.
Não demorou muito e logo um olheiro percebeu meu talento. Era um gringo que falava esquisito e me levou pro estrangeiro.
Cheguei na sede do clube, falei com o presidente que me mostrou o contrato. A letra desse povo era tão feia, mas tão feia que não entendi nenhuma palavra. Na base da confiança assinei meu primeiro contrato com um clube profissional. Eu virei atleta do Setembroshov da Rússia.
Foram dias de glórias com o Enganilson arrebentando nos treinos. Me destaquei tanto, que rapidamente fui negociado com outro clube europeu. Minha saída foi tão de surpresa que a torcida foi em massa no aeroporto pra ver se realmente eu estava indo embora.
Com certeza eu conquistei a galegada.
Até que um dia chegou minha vez. Entrei em campo e na hora senti a vibração da torcida.
Já no meu primeiro lance, a bola veio e devolvi de primeira, sem deixar cair. Coisa de quem tem personalidade e não sente o peso da camisa. A torcida ia à loucura com minha agilidade e rapidez. O time inteiro me pedia a bola e eu lá, só distribuindo.
Foram 90 minutos de Enganilson participando de quase todas as jogadas. Até que o juiz apitou o fim de jogo, desci para os vestiários e fui recebido com um pão com mortadela e mais R$ 20.
Voltei pra casa de barriga e bolso cheios e com a certeza de ter sido o melhor gandula em campo.
Eu precisava de um tempo só para mim, um tempo para desenvolver todas as minhas habilidades.
E como todo grande craque, assumi o meu lado rebelde, fugi de casa e decidi me concentrar em uma estância ecológica onde eu teria privacidade total.
Encontrei um lugar único e especial. Não pensei duas vezes, afinal, o lugar era a minha cara. Depois de suar muito a camisa, ensaiar jogadas espetaculares e inventar dribles desconcertantes, decidi que era hora de tentar a sorte e procurar um lugar em um grande clube do país.
Persistente, participei de milhares de peneiras pelo Brasil afora. Reprovado em todas, finalmente entendi porque 99% dos técnicos de futebol são chamados de burro pela torcida.
Não demorou muito para eu aprender a andar, correr e a dar os meus primeiros chutes em uma bola de verdade.
Com certeza, eu era um garoto com uma habilidade fora do comum. Tanto é que lá no campinho eu era sempre o último a ser escolhido. A molecada disputava até o fim pra ver quem ia ficar com a arma secreta aqui, né?
Na escola o pessoal tinha medo de me enfrentar. Quando estava rolando um joguinho na quadra, era só eu chegar que eles paravam de jogar na hora. Como era difícil encontrar alguém que ousasse me enfrentar dentro das quatro linhas, desenvolvi uma nova técnica de treinamento.
21/07/1983. Um dia muito especial na vida do Enganilson aqui. E, porque não, na história do futebol mundial.
Foi exatamente as 9h00 da manhã de uma quinta-feira ensolarada que eu vim ao mundo, cheio de saúde, alegria e claro, futebol nos pés. Afinal, eu já estreei na vida com uma carreira cheia de chutes. Chutes na barriga da minha mãe, é verdade, mas sempre chutes certeiros.
A emoção do pessoal na maternidade já mostrava que eu nasci para brilhar, para fazer a alegria da torcida. Não à toa, minha primeira palavra foi justamente a mais linda do nosso vocabulário: gol. E a primeira frase: com certeza, com certeza.